A TIAC – Portugal admite, à luz do “Luanda Leaks”, que o país “tudo fará para não devolver o dinheiro roubado” a Angola, dando o exemplo do processo movido pela Justiça portuguesa contra Manuel Vicente, escreve a DW.
Karina Carvalho, directora executiva da Transparência Internacional – Associação Cívica (TIAC – Portugal) entende que Portugal e Angola têm responsabilidades partilhadas na prevenção e combate à corrupção, tal como o dever de cooperarem activamente na recuperação de activos, uma vez que fazem parte da Comissão das Nações Unidas contra a Corrupção.
Mas, segundo Karina Carvalho, Lisboa ignorou e continua a ignorar deliberadamente os acordos de cooperação jurídica e judiciária com Angola e as suas responsabilidades no combate à corrupção. A colaboradora da TIAC critica ainda a inacção do Banco de Portugal, responsável pela regulação do sistema financeiro no país.
“Quando me pergunta o que posso esperar da actuação de Portugal sobre o caso ‘Luanda Leaks’, só posso responder que espero muito pouco ou quase nada. Portugal tudo fará para não devolver o dinheiro roubado, isto é um facto infelizmente”, responde Karina Carvalho, quando questionada sobre o caso que expõe transacções financeiras duvidosas de Isabel dos Santos e não só.
A directora executiva da TIAC – Portugal diz que o que se passa com Manuel Vicente é um exemplo paradigmático disso, com a agravante de Portugal e Angola não quererem mexer no ex-vice-Presidente angolano. Para a activista, há razões que explicam por que motivo Vicente se mantém intocável: “Enquanto Isabel dos Santos é uma figura do regime de José Eduardo dos Santos, [Manuel] Vicente é ainda uma figura do MPLA. Sempre foi o facilitador dos negócios do MPLA, e isto faz toda a diferença”, sublinha.
O Presidente João Lourenço elegeu a bandeira de combate à corrupção em Angola. No entanto, acrescenta Karina Carvalho, o chefe de Estado está refém do partido no poder desde 1975, o MPLA, que, na sua perspectiva, se estrutura através de redes de clientelismo e de enriquecimento ilícito à custa da máquina do Estado.
Considera que, enquanto o Estado se confundir com o partido no poder, Angola nunca estará verdadeiramente livre de corrupção. Karina Carvalho acha que o “Luanda Leaks” é uma oportunidade única para o Presidente João Lourenço se impor perante o MPLA e empreender mudanças estruturantes em prol da defesa dos direitos humanos e da dignidade das condições de vida de quem o elegeu.
Mas com um senão: “Para isso, o Presidente João Lourenço não se pode ficar apenas pela Isabel dos Santos. Tem que limpar o Estado e o MPLA da corrupção. Acho que isso só será possível quando der cumprimento ao mandato judicial que coloca Vicente completamente apartado dos negócios do Estado”.
Karina Carvalho afirma que “um Presidente corajoso não precisa de Manuel Vicente para se fazer eleger”.
Recorde-se que Karina Carvalho, afirmou no dia 11 de Outubro (de 2018) em Lisboa, que existe “uma liderança clara” por parte do Presidente de Angola, João Lourenço, contra a corrupção.
“Independentemente daquilo que cada um de nós possa pensar sobre o que são as concretizações do Presidente João Lourenço, apesar de tudo, existe uma liderança clara. É o líder da nação que está a assumir o combate à corrupção como uma das suas prioridades”, disse Karina Carvalho.
A directora-executiva da TIAC integrou na altura uma mesa-redonda “Angola: A Ética e ‘Compliance’ na Banca e no Sistema Financeiro Internacional”, que decorreu no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa.
A responsável da TIAC – que integra a Transparency International — saudou a luta conduzida por João Lourenço que considerou fundamental para uma maior concretização ética em Angola.
“O facto de existir alguém – o líder da nação – que elenca isso como absolutamente estratégico é importante para a mudança e para a transformação rumo a uma concretização mais ética daquilo que é a (…) vida das pessoas e das empresas e organizações em Angola”, disse.
Ainda assim, mostrou algumas reservas quanto à atitude: “Acho que isso não se faz sem um objectivo”, declarou.
Karina Carvalho lembrou que, embora o Governo e o Estado sejam fundamentais, estes “não podem fazer tudo”, o que leva a que, por vezes, as próprias instituições públicas possam fugir dos regulamentos.
“Muitas vezes há um desfasamento entre aquilo que está estruturado e pensado, que é a regulamentação, a lei, o decreto-lei, o normativo e a forma como isso é apropriado, por exemplo, pelas instituições públicas”, disse a responsável da associação, acreditando que, além dos guias e regulamentos, é necessária também a liderança.
Desde que tomou posse como terceiro Presidente de Angola, em 26 de Setembro de 2017, João Lourenço exonerou centenas de governantes, administradores de empresas públicas e altas chefias militares angolanas.
O Folha 8 perguntou na altura a João Paula Batalha, presidente da organização, se esta era uma posição oficial da TIAC. Eis a resposta:
«A TIAC, em bom rigor, tem posições oficiais sobre a corrupção em Portugal (que é o país onde actuamos) e uma visão mais distanciada e instrumental sobre a corrupção em Angola – instrumental no sentido em que nos interessam as relações Portugal-Angola (como nos interessam as relações de Portugal com outros países com riscos de corrupção), não imiscuir-nos nos assuntos angolanos, onde há ONG, jornalistas e sociedade civil capacitada para liderar esse debate público.
Não somos uma ONG angolana e não actuamos no país – acrescento até que o povo angolano já tem sofrido o suficiente com o contributo de pretensos “especialistas” portugueses sobre a realidade do seu país. É por isso, aliás, que participamos e estamos a dinamizar uma rede de activistas e ONG de vários países de língua portuguesa para nos focarmos em preocupações comuns e contribuir para capacitar o debate público nos vários países onde os membros desta rede informal estão presentes, com total autonomia e sem interferências externas.
Dito isto, a Karina Carvalho, quando participa em eventos em nome da Transparência e Integridade (como o de ontem no ISCTE), fala naturalmente em nome da associação. Não estive no evento de ontem, que era sobre compliance no sector privado no contexto angolano, onde ela falou da necessidade e importância de haver liderança clara para combater a corrupção e capacitar os mecanismos (legais e institucionais) de compliance, ética e combate à corrupção.
Do meu ponto de vista (que é concordante com o da Karina Carvalho), João Lourenço está sem dúvida a liderar um combate contra a corrupção – no sentido objectivo em que está a sanear das instituições públicas muitas figuras sobre as quais recaem suspeitas fundadas de corrupção e está a permitir que a Justiça actue contra pessoas (incluindo do círculo familiar e próximo de José Eduardo dos Santos) que até aqui eram intocáveis.
Quanto à Transparência e Integridade, continua por saber-se se João Lourenço fará a outra parte de um combate estrutural contra a corrupção, que é fortalecer o Estado de Direito e capacitar as instituições democráticas – nomeadamente, e acima de tudo, afirmando uma real independência e despolitização do poder judicial e uma eficaz supervisão parlamentar sobre o poder executivo. Se não o fizer, o risco evidente é trocar uma elite corrupta leal a José Eduardo dos Santos por outra, porventura leal ao próprio João Lourenço. A vontade de perseguir os grandes corruptos é animadora, mas são necessárias reformas de Estado que não podem ser adiadas.
João Lourenço e o seu Governo vão a tempo de fazê-las, se perceberem que o verdadeiro combate contra a corrupção exige instituições capacitadas, transparentes, prestadoras de boas contas aos cidadãos e que respondam às exigências e expectativas da sociedade. É esse o teste que se coloca ao Governo e à liderança de João Lourenço e que, no limite, confirmará ou frustrará as expectativas que o seu Governo gerou entre o povo angolano e a comunidade internacional.»